Sem conseguir UTI, técnica em enfermagem de 30 anos morre com suspeita de covid-19 em Pernambuco.

Ela era uma mulher jovem, sem qualquer problema de saúde, nunca foi tabagista, era saudável, trabalhadora. Não sou Deus para dizer que ela iria sobreviver, mas possuía grandes chances. Trinta anos sem patologias. Uma UTI a salvaria
A médica nefrologista Suzana Melo, chefe e amiga de Williane Maily Lins dos Santos, é quem está à frente das denúncias em nome da família da técnica. A mãe, a fisioterapeuta Maria Soares Lins Pereira, está inconsolável e revoltada. Não conseguiu conversar com a reportagem. Segundo denuncia a médica, a Central de Regulação de Leitos de Pernambuco complicou todo o procedimento de transferência da paciente do Hospital João Murilo para o Recife. A informação oficial era de que não havia vagas de UTIs disponíveis na capital e que pelo menos 60 pacientes aguardavam uma transferência na frente de Williane. “E eu, como médica, tinha a informação de que havia UTIs disponíveis tanto no antigo Hospital Alfa, recém transformado em unidade referência do tratamento da covid-19, como em unidades privadas. Falei com diversos médicos coordenadores dessas UTIs e eles me garantiram que havia vagas sim, mas que só poderiam receber a paciente se fosse pela central. Quando vieram identificar uma vaga, no Hospital São Marcos, ela já estava morta. É tudo muito, muito triste e revoltante”, lamenta Suzana Melo.
A angústia da médica se justifica no fato de que foi a ela que Williane Maily implorou por socorro. Não queria morrer. Como profissional de saúde, começou a perceber que a laringite era algo maior quando a falta de ar e o cansaço se agravaram. Já tinha buscado atendimento em postos de saúde, mas recebia a prescrição de antibióticos (versões de amoxicilina) e era encaminhada para casa. Estava assim há duas semanas. Na quinta-feira, já com muita dificuldade para respirar, procurou novamente o posto de saúde. Foi quando a encaminharam para o Hospital João Murilo, onde ficou internada, mas sem conseguir ser entubada para facilitar a respiração. “A família já estava assustada, ela também. Percebiam, por serem da área, que era a covid-19 e que ela deveria ser entubada mediatamente. Ela me mandou um vídeo às 8h30 da sexta-feira, num estado muito grave, quase sem conseguir respirar. Ela era uma mulher jovem, sem qualquer problema de saúde, nunca foi tabagista, era saudável, trabalhadora. Não sou Deus para dizer que ela iria sobreviver, mas possuía grandes chances. Trinta anos sem patologias. Uma UTI a salvaria”, afirma a médica.
Ela amava demais o que fazia. Já trabalhou em vários hospitais. Era uma profissional prudente. Não desconfiava em momento algum que era covid-19. Achava que era gripe, infecção de garganta. Fez tratamento, mas não melhorava. Demoraram demais para entubá-la no hospital e ainda mais tempo para arrumar uma UTI, Abimael Francisco Pereira, padrasto da vítima.

Técnica em enfermagem Williane Maily Lins dos Santos, de 30 anos, que morreu na noite da sexta-feira (17/4), no Hospital João Murilo, em Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata pernambucana, suspeita de ser mais uma vítima do coronavírus - Arquivo pessoal
Williane Maily era técnica de enfermagem na Clínica do Rim de Vitória de Santo Antão, onde nove profissionais de saúde estão afastados com suspeita de contaminação pelo coronavírus. Apesar das idas a um posto de saúde na cidade, a técnica em enfermagem só foi tratada como possível vítima da covid-19 quando chegou ao hospital. Mas nenhum teste foi feito. Somente depois do óbito realizaram a testagem, cujo resultado ainda não saiu. A reportagem do JC não conseguiu contato com o Hospital João Murilo. Já a Secretaria Estadual de Saúde (SES) explicou que a paciente deu entrada na unidade de VSA com um quadro moderado de Srag (Síndrome Respiratória Aguda Grave), mas que se agravou. Garante que, diante desse agravamento, foi solicitada uma vaga de UTI à Central de Regulação de Leitos, disponibilizado ainda na noite do mesmo dia em um hospital privado. “Infelizmente a paciente teve uma piora súbita antes que fosse possível realizar a transferência”, diz a nota oficial.
Lembrou, ainda, que o governo de Pernambuco tem se esforçado em ampliar a rede de assistência para o atendimento de pacientes suspeitos e confirmados da covid-19. Que diariamente novos leitos estão sendo abertos. “Em pouco mais de 30 dias, o Estado já conta com mais de 600 vagas dedicadas exclusivamente para a doença, sendo 307 de UTI”. A ocupação dessas UTIs, entretanto, já está em 95% da capacidade.
ENTREVISTA/ABIMAEL PEREIRA
O padrastro de Williane Maily Lins dos Santos, o também técnico em enfermagem Abimael Francisco Pereira, ainda não acredita no que aconteceu. Que perdeu a enteada tão rapidamente por não ter conseguido uma UTI. Bastante abalado, ele conversou com o JC pelo Whatsapp.
JC - Qual o sentimento da família?
ABIMAEL - De revolta. A mãe dela está sem condições de falar. Desde a manhã do dia 17 que estavam atrás de leito e pedindo que a entubassem. Mas só vieram entubá-la quando surgiu a vaga, já na noite em que faleceu.
JC - Williane desconfiava que poderia estar com a covid-19?
ABIMAEL - Em nenhum momento ela desconfiou. Achava que era uma gripe, uma infecção de garganta. Fez tratamento por duas semanas, mas não melhorava. Quando começou a sentir falta de ar pediu ajuda. Mas a ajuda demorou muito. Era para terem levado ela logo pela manhã para a UTI, assim que chegou ao hospital. Porque se tivessem entubado mais cedo talvez ela não tivesse morrido.
JC - Ela tinha medo, fazia queixas?
ABIMAEL - Ela amava demais o que fazia. Já trabalhou em vários hospitais. Era uma profissional prudente.

Assim como as vítimas das fotos, a técnica em enfermagem teve um enterro rápido, sem direito a velório ou despedidas da família - FOTO:AFP

Pandemia do coronavírus deixa mortos em todo o mundo - FOTO:FOTO: AFP
Do.JC

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